OS BARES
Só agora entendo meu saudoso pai, quando já gozava da sua tão aguardada aposentadoria.
Figura conhecidíssima, personagem folclórico pelos bares da cidade, uma lenda viva em sua época. Quando praticava um verdadeiro ritual todos os dias, vestia-se elegantemente e com todo garbo que lhe era peculiar, se dirigia num caminhar sorrateiro até seu segundo lar: o bar.
Não sem antes, é claro, escutar religiosamente seu programa de rádio predileto, que confesso não via nada de especial nestes estranhos hábitos. E que hoje entendo de onde vem essa herança radiofônica que ainda trago comigo essa predileção e esse apreço da frequência de alguma estação de rádio.
E lá ia ele, calçando seus sapatos impecavelmente bem engraxados, tomava seu infalível cafezinho e lá se ia fagueiro, peito arfante, fazendo uma verdadeira procissão e cumprimentando a todos, entre uma parada e outra por onde passava.
Tá bom, sou réu confesso! Minha verdadeira vocação é a de ser um bom botequeiro. Agora compreendo que deve ser algo genético, está no DNA, é algo que não se escolhe, não se estuda e é claro não escondo de ninguém.
Bom bebedor, sou PhD em cervejas geladas, apreciador de boa música e, é claro, fã incondicional do universo feminino, perito em fazer fiéis amigos em mesa de bar. E como já disse o poetinha: “nunca vi grandes amizades nascerem em leiterias...”. Sou embaixador do sorriso, diplomata das parcerias e amante confesso das madrugadas.
É nos bares que convivem desde o mais sábio ao mais ignóbil, do mais liberal ao mais conservador (se bem que esses raramente vão). É nos bares que se vê desde os mais enamorados aos mais desiludidos, entre olhares tristonhos e sorrisos infindáveis, entre paixões arrebatadoras e amores inesquecíveis.
Amores platônicos, doses cavalares de cervejas estupidamente geladas.
Desfile avassalador de uma beldade, o caminhar trôpego de quem nem sabe pra onde vai.
Sonhos e realidades confundem-se entre tragadas e goles, entre flertes e toques, verdades e mentiras, o certo e o errado, vícios e virtudes, o santo e o pecador, o beato e o ateu, a timidez e a eloquência, o sagrado e o profano. Todos caminham, bebem e convivem lado a lado entre nobres e plebeus, das lágrimas que caem sobre o triste rosto ao sereno da madrugada que cai sobre as sofridas faces dos boêmios, dos passos cambaleantes de um ébrio ao salto alto que realça as belas e torneadas luzidias pernas da morena que passa.
Os bares! Há os bares... é neles que me sinto um verdadeiro rei.
Poetas, filósofos, músicos, loucos, santos, boêmios desiludidos, damas, meretrizes, gênios incompreendidos, tiranos, malandros. Um universo rico de artes e emoções, deixando a noite mais suave, como já dissera uma canção: ”suave é, suave é a noite é. De bar em bar, de bar em bar...”. Sábio foi um conhecido "cantautor" gaúcho que vivia a cantar: “O mana! Eu quero é morrer. Bem velhinho assim sozinho, ali bebendo vinho e olhando a bunda alguém...”.
Os bares! Há os bares... somente agora, entendo meu saudoso pai.
Enquanto rabiscava suas mal traçadas linhas Zelito degustava sonoramente falando em sua vitrola, o icônico samba enredo da Escola de samba União da Ilha do Governador de 1991. Evidentemente o combativo Nagô, já se encontra em clima de carnaval, ele que possui uma artilharia de sambas enredos de sua preferência e que esse ano não pretende colocar seu Bloco da Saudade na rua e quando perguntado sobre o assunto, sempre responde de forma enérgica: acato a saudade, mas dispenso essa dor.
Portanto: tenham todos um ótimo Carnaval e juízo, logo eu, que sou um rei no meio de uma gente tão modesta.
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Zelito Vitrola |
1 Comentários
Oi, Zelito, sou a Isab. Filha de frequentador de bar, eu também adoro um boteco. Adoro aquele ambiente, aquele misto de tudo. E neta de carnavalesco, tenho no sangue o samba dos blocos e das escolas de samba. Te entendo perfeitamente. Bjuuuu
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