TRIBUTO À HÉCTOR G. OESTERHELD
Um Mestre dos Roteiros de HQ

Héctor Germán Oesterheld nasceu na Argentina em 1919 e desde cedo tornou- se um leitor voraz.
Quem não é amante dos quadrinhos talvez não entenda o motivo dessa coluna homenagear um roteirista argentino desconhecido. É que se aproxima um momento histórico para o país vizinho, aguardado com ansiedade pelos hermanos do “país do tango”. Em 30 de abril estreará na Netflix “O Eternauta”, uma produção totalmente feita na Argentina, que irá popularizar essa obra-prima dos quadrinhos, com um elenco liderado por dois grandes atores muito conhecidos dos brasileiros: Ricardo Darín e Cesar Troncoso.
O trailer já está disponível no YouTube e entre a imensa base de fãs argentinos, já há discussões sobre a fidelidade à obra original. Nesse tipo de adaptação sempre temos que levar em conta, que a Netflix quer alcançar milhões de espectadores pelo mundo e é natural que algumas mudanças ocorram. Mas os produtores e roteiristas garantem que tentaram preservar o material original, o máximo possível e que Osterheld aprovaria. Ainda não sei ao certo o número de episódios da série, mas como a HQ integral atinge aproximadamente 370 páginas, imagino que haverá mais de uma temporada, dependendo da aprovação do público.
A obra de Oesterheld como um roteirista de HQs de excelência foi construída ao longo dos anos, até o seu desaparecimento pela ditadura Argentina em 1977.
Mas já era tarde demais, o seu nome já estava inserido nas mentes dos argentinos, sobrevivendo na memória coletiva até os dias atuais ao lado de outras figuras míticas nacionais como Carlos Gardel, Che Guevara e Evita Péron. Isso graças a sua obra-prima, em parceria com o desenhista Francisco Solano López, “El Eternauta”. Uma história em quadrinhos lançada nos anos 50 e que chegou a novas gerações por conta das inúmeras reedições até hoje. Há quem diga, no país vizinho, que em termos de impacto social e influência não seria exagero comparar El Eternauta a Mafalda de Quino.

Originalmente a estreia de El Eternauta foi na primeira semana do ano de 1957 no Hora Cero Suplemento Semanal, por meio de uma editora aberta pelo próprio Oesterheld em parceria com o seu irmão. A história foi narrada em capítulos. Semana após semana o leitor se deparava com mistérios, que era construídos gradativamente, para serem trocados por mistérios ainda maiores. Além da qualidade do roteiro, tanto na trama quanto nas falas e diálogos, o maior mérito da obra, responsável por uma base enorme de fãs, foi que tudo acontecia com personagens muito parecidos com a gente. Eram “pessoas comuns” que se viam lançadas numa aventura de sobrevivência, sem entender as causas. Os leitores podiam reconhecer as ruas e os pontos de referências, como o estádio do River Plate e a praça do Congresso, como cenários dos enigmáticos flocos de neve em pleno verão, que tiravam a vida de todos que entrassem em contato. Tudo acontecia a cada semana, como se fosse em tempo real, como se aqueles eventos perturbadores estivessem acontecendo do lado de fora das residências dos leitores.
Um toque da genialidade de Oesterheld, que incrementou a sensação realista, é que a história começa na casa do escritor e roteirista Germán (um alter ego com a aparência de Oesterheld), que está trabalhando à noite, quando é surpreendido pela materialização de um homem à sua frente, que se apresenta como Juan Salvo e que precisa contar a sua história. Outro toque de mestre, é que a história narrada pelo “Eternauta” está num tempo futuro próximo, ou seja, assim que a história termina de ser contada, se compreende que os eventos ainda acontecerão dali a poucos anos, o que deixa Germán bastante preocupado.
“O herói verdadeiro de El Eternauta é um herói coletivo, um grupo humano. Reflete assim, sem intenção prévia, meu sentimento íntimo: que o único herói válido é o herói em grupo, nunca o individual, o herói solitário” disse Osterheld no prefácio de uma compilação da série, feita em meados da década de 70.
O capítulo final foi publicado em 1959. Portanto temos uma série em quadrinhos de ficção científica que foi publicada semanalmente ao longo de dois anos, ainda na década de 50, bem antes que o homem pisasse na lua e que o filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick fosse realizado. Por isso é uma obra de quadrinhos inovadora e que merece ser conhecida.
Aqui no Brasil foram lançadas duas edições integrais, primeiro pela Martins Fontes em 2011 e mais recentemente pela Pipoca & Nanquim.
Quando “El Eternauta” encerrou a sua publicação na Argentina, a editora estava com dificuldades e fechou.
Mas Oesterheld já estava consagrado e seguiu a sua carreira de roteirista, realizando outra série de sucesso, dessa vez com o amigo desenhista muito talentoso, Alberto Breccia. “Mort Cinder” é sobre um antiquário de Londres chamado Ezra Wiston, que vem em socorro de um homem enigmático, Mort Cinder, que toda a vez que morre, volta à vida do seu túmulo e assim passa por várias eras da humanidade, desde a Torre de Babel à Primeira Guerra Mundial.

A série foi publicada entre 1962 e 1964. No Brasil foi publicada na íntegra em 2018 pela Editora Figura.

A data mais provável para o desaparecimento de Héctor Germán Oesterheld é 27 de abril de 1977. Uma versão para o que ocorreu: havia nessa data uma reunião de militantes de esquerda, grupo ao qual ele tinha ingressado. Todos foram avisados de que a casa havia sido descoberta e alertados a não comparecer ao encontro. Todos, menos o roteirista. Osterheld foi detido e nunca mais apareceu. Suas quatro filhas optaram pela resistência política à ditadura militar e tiveram que viver na clandestinidade. Todas foram eliminadas pelo regime e apenas a sua esposa, Elsa Sánches Oesterheld, com que havia casado em 1947, sobreviveu aos anos de chumbo. Sobre essas trágicas mortes das filhas e do marido, ela declarou: “Eu poderia escrever um livro sobre o sentido do que é a mutilação do ser humano”.
Héctor Germán Oesterheld continua vivo na memória do leitor argentino, porque El Eternauta se tornou um dos símbolos culturais do país. Um exemplo eloquente é que em uma de suas eleições, a figura do personagem foi adaptada pelo eleitores em relação ao político Nestor Kirchner, que havia falecido no ano anterior. O traje isolante que revela apenas os olhos do personagem, foi usado replicando os olhos estrábicos, o nariz e o esboço de um sorriso. O chamado Nestornauta ajudou na eleição da esposa, Isabel.
Aqui no Brasil, demorou quase 50 anos para que uma publicação fosse feita, enquanto que na Europa, El Eternauta é sistematicamente reeditado e figura na lista dos melhores quadrinhos produzidos em todos os tempos.
Hugo Pratt, célebre criador de Corto Maltese, afirmou: “Héctor Oesterheld é o maior escritor de quadrinhos que já encontrei, porque era capaz de transformar uma gag numa pequena novela. Era um mestre da narrativa”.
Com as edições de suas duas principais obras no Brasil e agora com a estreia de uma série da Netflix, que tudo indica fará jus à sua memória, o nome desse mestre dos quadrinhos ganhará o mundo.
Para ler Oesterheld:
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EDITORA FIGURA |
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EDITORA PIPOCA E NANQUIM |
TRAILER DE O ETERNAUTA:
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João Luís Martinez |
1 Comentários
ERRATA: Onde se lê "Isabel", é na verdade Cristina Kirshner.
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