AD LIBITUM

 Mulheres Negras e o Amor com Homens Brancos

Nesses tempos em que se pode falar abertamente sobre preconceito e discriminação, decidi pesquisar sobre mulheres negras e o amor através da história.  Aludindo  ao universo subjetivo, sensível, relatando os fatos, não emitindo necessariamente um julgamento, fui em busca dos amores famosos, que estão nos livros, nos compêndios da Mitologia, da Música, da  Arte, e da  História e podem ser comprovados nos vestígios que permanecem até os dias atuais.

A primeira referência se encontra na Mitologia Grega, e não é  propriamente uma história de amor mas de afirmação da beleza da mulher negra. Trata-se de Cassiopéia,[1]  a mãe de Andrômeda. Andrômeda que foi salva por Perseu, no seu cavalo alado Pégasso, do rochedo onde estava amarrada como castigo á sua mãe que ousou vangloriar-se da própria beleza.

Cassiopéia era etíope e, portanto, negra. Segundo Milton[2] , numa comparação:

 “De cor escura e bela 
Como a irmã do Príncipe Mêmnon 
Ou a estelar rainha da Etiópia[3] 
Punida ao atrever-se a comparar 
Com a das ninfas do mar sua beleza”.

Cassiopéia é chamada a "estelar rainha da Etiópia", porque, depois de morta, foi colocada entre as estrelas, formando a constelação que leva seu nome. Embora tivesse alcançado essa honra, as ninfas do mar, suas velhas inimigas, conseguiram que ela fosse colocada na parte do céu próxima ao pólo, onde, todas as noites, tem de passar metade do tempo com a cabeça para baixo, recebendo uma lição de humildade. Sobre a Constelação Cassiopeia consulte[4]o site.

Era também etíope, portanto negra, a Rainha de Sabá, que visitou  o Rei Salomão conforme a Bíblia menciona.

As pesquisas no âmbito da música me levaram as histórias de amores de mulheres negras  cantadas nas óperas A Africana de Giacomo Meyerbeer (1791 – 1864) e  Aída de Giusepe Verdi.( 1813 —  1901)

A Africana foi estreada na Ópera de Paris em 28 de Abril de 1865.  A ação do libreto original escrita por  Eugène Scribe,  em 1857,  passar-se-ia entre África e Espanha, e  relata o romance  entre Vasco da Gama e a raínha-escrava, Sélika, que se suicida mastigando uma flor venenosa na partida do seu amor para suas viagens de conquistas.

A ópera  de quatro atos Aída, estreiou no Cairo em 24 de dezembro 1871, dois anos depois da inauguração do canal de Suez,  em 17 de novembro de 1869. Relata a história de Aída, princesa etíope, escrava no Egito, apaixonada por Radamés general egípcio. Radamés apesar de ser prometido a Amnéris, filha do Faraó está apaixonado por Aída. No final Radamés é condenado como traidor e Aída se esconde na tumba sendo enterrada viva com ele.

Dois grandes personagens da literatura universal, viveram romances com mulheres negras imortalizadas em suas obras. O escritor e dramaturgo inglês Willian  Shakespeare e o poeta francês Charles Baudelaire.

William Shakespeare[5]  em torno de 1598,  descreve em seus  Sonetos  127-52  seu amor, ciúmes, suspeitas e acusações, por uma mulher negra, o que lhe causa desgosto, mas não sabe como resisti-la, apesar de não a considerar nem mesmo bela. Bem contraditórios deviam ser seus sentimentos em desacordo com a moral vigente na época, em pleno sec.XVI.

SONETO 127

Em tempos remotos, o negro não era belo,
Ou se fosse, assim não seria chamado;
Mas agora surge o herdeiro da negra beleza,
E o belo está imprecado de bastardia;
Desde que as mãos detêm o poder sobre a natureza,
Embelezando a feiura com o falso rosto da arte,
A doce beleza não tem nome, nem jardim sagrado,
Vive profanada, ou caiu em desgraça.
Os olhos de minha senhora são escuros como o corvo,
Tão belos são seus olhos, e sua tristeza tão comovente,
Que, mesmo sem ser bonita, ainda é bela,
Difamando a criação com falsa estima.
Eles se entristecem com a própria aflição,
Ao ouvirem não haver beleza como a dela. 

JeanneDuval[6] (1820 — 1862) foi uma atriz e dançarina haitianamusa e companheira do poeta e crítico de arte francês Charles Baudelaire. Eles se conheceram em 1842, no Haiti e ele a levou para Paris. Desde então, os dois mantiveram um  romance de vinte anos, viveram juntos, separando-se e  reconciliando-se muitas vezes.

A princípio, Baudelaire instala Duval no n.° 6 da rue de la Femme-sans-tête (rua da Mulher sem cabeça), atual rue Le Regrattier, nas proximidades do hôtel Pimodan, Quai d'Anjou, na Île Saint-Louis, onde ele mesmo morava.Este endereço existe até hoje.

Duval é considerada como a mulher que o poeta mais amou na vida, e a ela dedicou os poemas Le balconParfum exotiqueLa chevelureSed non satiataLe serpent qui danse e Une charogne. Baudelaire costumava chamá-la "a amante das amantes" ou sua "vênus negra". Acredita-se, dentro da visão predominante dos meados do século XIX, que, para ele, Duval simbolizava a beleza perigosa, a sensualidade e o mistério de uma negra, de acordo com o título de seu livro mais importante e censurado Flores do Mal.

No Brasil temos, entre muitos que devem haver neste país miscigenado, o romance histórico entre a escrava  Chica da Silva e o  contratador de diamantes Jõao Fernandes de Oliveira.

Francisca da Silva de Oliveira[7], ou simplesmente Chica da Silva ( 1732 - 15 de fevereiro de 1796 ), foi uma escrava, posteriormente alforriada, que viveu no Arraial do Tijuco, atual DiamantinaMinas Gerais, durante a segunda metade do século XVIII.

Manteve durante mais de quinze anos uma história de amor estável com o rico contratador dos diamantes João Fernandes de Oliveira gerando com ele treze filhos . Quando ele teve de voltar a Portugal deixou para ela grande herança, e levou consigo os quatro filhos homens do casal, que lá alcançaram importantes cargos .

Entre 1755 e 1770 João Fernandes e Chica da Silva habitaram a edificação existente no que hoje é a praça Lobo de Mesquita, no número 266, em Diamantina .(Explore O Street View) 

Em minhas buscas, encontrei uma UNICA historia de amor em que os dois eram pessoas negras. Esta relatada na música Leilão, de Eckel Tavares:

..................

E nesse dia que levaram minha preta

Me botaram nas grietas que é pra mode eu nao fugir.

Desde então como um louco a precurei

Fiquei véio com tô, mas como é grande esse Brasir!

E quando veio de Isaber as alforrias, precurei mais trinta dias

Mas a vista me faltou! Então eu rezo que me leve Sia Isaber

Que é prá ver se tá no céu,

Minha Preta meu amor!


Essas histórias de amor são apenas algumas entre tantas que devem existir, anônimas ou esquecidas. Menos famosas que as histórias de Romeu e Julieta, Penélope e Ulisses, Tristão e Isolda, Guinevere e Lancelot,  Dante e Beatriz, Bonnye e Clayde ou Shrek e Fiona,  mas  mostram que o amor sempre existiu e, independente de qualquer impedimento, é capaz de transpor as barreiras do preconceito e da ignorância.


Referencias:

[1] KURY, Mário da Gama. Dicionário de Mitologia Grega e Romana. São Paulo; Zahar, 2003. pág. 7( Fonte:'' O livro de ouro da mitologia'' - Thomas Bulfinch 

[2] Tillyard, E. M. W. "Milton: 'L'Allegro' and 'Il Penseroso in The Miltonic Setting, Past and PresentCambridge: Cambridge University Press, 1938 

[3] A história da Etiópia está documentada como uma das mais antigas do mundo remonta ao reino de Sabá, atual Iemên do Sul. Desde aproximadamente o século IV a.C. os gregos chamavam de "Etiópia" a todos os países com população de raça negra

[4] www.youtube.com/watch?v=7izavuZ4bxo9   (Video As Maravilha dos Ceus Estrelados)

[5]  MOURA, Vasco Graça. Os Sonetos Completos - William Shakespeare.São Paulo; Saraiva, 2009

Introdução aos Sonetos de Shakespeare contida na Edição Completa editada por David Bevigton, Sexta Edição.tresando.com/2012/06/06/introducao-aos-sonetos-de-shakespeare/Visivel em 25/09/205

[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jeanne_Duval. http://baudelaire.litteratura.com/?rub=vie&srub=per&id=5#.Vgc8GNJViko Visualizada em 25/09/2015 

[7] FURTADO,Júnia Ferreira. Chica da Silva e o Contratador de Diamantes - O Outro Lado do Mito. São Paulo;Companhia das Letras, 2009. 

www.youtube.com/watch?v=pZP-6IAKv74 - casa de chica da silva

 

SANDRA SIMÕES


Sandra Simões é  Artista Plástica e Arte educadora , Pós- Graduada em Poéticas Visuais: Especialização em Fotografia, Gravura e Imagem Digital FEEVALE/Novo Hamburgo/RS, Graduada em Artes Visuais; Licenciatura UERGS/Montenegro/RS. 

Sandra  pela Sandra:

"Tenho orgulho de ter sido mediadora em 8 das 10 Bienais do Mercosul. Leitora voraz escrevo poesia e umas coisinhas, adoro dançar, ópera e já fui soprano da OSPA. Até a adolescência tinha cavalo que é meu bicho de estimação, e tenho diploma de Domadora sem Violência. A Arte é minha vida."


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!


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2 Comentários

  1. Oi, Sandra, sou a Isab. Eu fico pasma qdo paro para pensar q ainda no século XXI precisamos ter essa conversa. Que ainda exista tanto preconceito. Muitos acham q é exagero, mas só quem vive isso pode entender como dói. Eu namoro um negro e sei o quanto ainda é visto como "diferente" uma história entre duas pessoas de cores diferentes. Mas o que é a cor da pele? Não seria melhor olhar a índole, o caráter, a alma das pessoas? O q a cor preta, que aliás é lindissima, tem q incomoda tanta gente? Eu não sei, jamais entenderei. Eu não olho a cor do meu namorado, por mim ele poderia ser verde, roxo, azul... olho o homem maravilhoso q ele é. A cor é só um detalhe. Somos como flores, um lindo jardim com rosas de todas as cores no grande jardim de Deus
    Bjuuuuuu

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  2. Olá, Sandrinha!
    Amei o texto.
    O amor não vê cor de pele.
    Mesmo assim ainda hoje é importante falar sobre

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