NAVALHAS AO VENTO

 

CASOS DE UBER – POR QUE TENHO QUE SER MÃE?

Esse relato não aconteceu numa viagem de Uber, mas não deixa de ser um caso de Uber. Tenho uma amiga motorista de aplicativo e me contou o diálogo que ela teve com suas passageiras.

Minha amiga pegou três mulheres no centro de Gravataí, com destino ao Shopping Praia de Belas. Uma delas, que parecia a mais velha, tratava as outras duas, bem novinhas, como quem trata uma criança. Mas as duas meninas estavam grávidas. A mais velha puxou assunto com ela:

- Minhas duas filhas estão grávidas. Vamos ao shopping comprar o enxoval.

Minha amiga olhou com mais atenção e notou que uma delas não tinha mais do que 15 anos.

A mãe voltou a falar: Eu pensei que a mais velha não teria filhos. Já estava casada desde 2023 e só agora engravidou. Já tem 18 anos.

As meninas viajavam quietas. Minha amiga falou que cada um sabe quando deve ter filhos e confessou que ela não quer. Casada desde 2003, agora com mais de 40 anos, minha amiga nunca pensou em ser mãe, diz que não tem vocação para isso e confessou para elas. Foi neste momento que a mais velha começou a falar alto. Disse que minha amiga devia ser “seca”, sem alma, sem amor pelo próximo. Que nenhuma mulher pensa assim. Que todas querem ser mãe. Que é destino de toda mulher. Que Deus disse que toda união tem que ter um fruto. Que Jesus abençoa só as mulheres que tem filhos. Que ela não seria abençoada. Que teria uma velhice infeliz, sozinha, abandonada. Que ela era uma desgraçada...

Minha amiga ficou muito incomodada, tanto que desligou o aplicativo e veio para meu apartamento contar o que tinha ouvido.

Até quando as mulheres terão que carregar nos ombros um manual que dita as idades que cada coisa deve acontecer? Até tantos anos deve terminar o ensino médio, até tantos anos deve casar, até tantos anos deve encontrar o emprego dos sonhos, até tantos anos deve ser mãe, até tantos anos... Porque cada mulher não pode escrever seu próprio destino?

Existem mulheres que não têm a maternidade como objetivo de vida e nem por isso são inferiores as que têm 10 filhos. Cada uma de nós sabe o que deseja para sua vida. Eu desde menina digo que quero 2 filhos e foi justamente o que tive. Eu não sei o que seria da minha vida se não tivesse meus filhos, mas foi minha escolha. A maternidade era meu projeto de vida, não foi imposto por religião ou por outra pessoa, foi minha escolha. Lembro da minha mãe falando que só teve filho para cuidar dela na velhice, eu me sentia uma cuidadora por obrigação. Ela não me desejou, só estava cuidando da velhice dela.

Minha amiga e seu marido não querem, estão felizes assim, são pais de pet e isso basta para eles. Até quando veremos pessoas que acham que o útero de uma mulher tem que produzir um novo ser para que essa pessoa seja respeitada pela sociedade?

Deixo aqui o meu carinho a todas as mulheres que não desejam a maternidade, que escolheram outro caminho para serem felizes, afinal existem muitos caminhos para alcançar a tal felicidade e cada um deve encontrar o seu.

Também quero dar parabéns a todas as mães, as mães casadas, as mães solo, as famílias com duas mães e até as mães de pet. Que o próximo domingo seja o dia da família, comemorando a vida.

Isab-El Cristina

Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

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