A Ideologia das Palavras
Escrevi, não faz muito, um texto sobre o poder das palavras e agora quero continuar o assunto, dessa vez abordando o sentido das palavras, ou melhor, que ideias elas nos transmitem, revelando ou ocultando conceitos e, muitas vezes, exalando preconceitos.
As palavras são produtos culturais de cada sociedade e refletem as suas relações sociais, nas quais as desigualdades e as injustiças fazem parte do cotidiano e não são percebidas como tais pela maioria que as vê como consequências da vida em sociedade, como se fosse algo natural e não cultural. (“É assim porque Deus quer...”)
A escolha das palavras revela o que pensamos e, também, o que desejamos que os outros pensem. A palavra certa é “certa” para atingir objetivos políticos e ideológicos, ou seja, não há neutralidade na escolha das palavras em um discurso.
Spike Lee, no seu filme Malcom X, nos apresenta o significado das palavras branco e preto no dicionário. Vale a pena ler para ver escorrer a ideologia daqueles verbetes.
Outro aspecto da ideologia nas palavras é o uso da expressão “colaborador” como uma substituição à palavra trabalhador. A troca de trabalhador por colaborador dissimula o caráter de classe nas relações de trabalho. Procura-se ocultar a classe trabalhadora sob o manto do colaboracionismo (expressão utilizada para designar o governo francês, na época da invasão nazista). O próprio 1º de maio, data para lembrar o Dia do Trabalho para alguns e o Dia do Trabalhador para outros, traz uma polêmica embebida em ideologia. Entretanto, uma pergunta me assombra: existe o trabalho sem aquele que o realiza, o trabalhador?
As relações de trabalho capitalistas, nas quais os “colaboradores” produzem em troca de um salário, por mais esforço que se tenha para ocultar a expressão trabalhador, não impedirá o fato de que o lucro fica com o patrão e ao trabalhador resta o salário. A mais-valia não deixa de existir simplesmente porque o trabalho foi realizado por colaboradores.
Antes de encerrar este texto, não posso deixar de apontar uma expressão reveladora e, ao mesmo tempo, contraditória: o crime passional. Difícil acreditar que a paixão, este sentimento tão intenso de afeto, pode motivar crimes, inclusive assassinatos.
Os poetas, embebidos pela paixão, declamam seus versos louvando as alegrias do amor ao mesmo tempo em que um feminicídio é cometido, porque ambos são resultados da paixão.
Entretanto, considerar a paixão como responsável pelos feminicídios me parece uma injustiça com os poetas. Talvez devamos substituir a expressão “crime passional” por “crime de posse”, no qual o criminoso considera a outra pessoa sua propriedade, sem direito à vontade própria e muito menos a encerrar a relação.
O assassinato de mulheres, geralmente realizado pelos ex-companheiros, é a comprovação de que, infelizmente, alguns homens não possuem compaixão, mas são motivados pela insegurança e o egoísmo, que são tudo, menos a paixão, que antecede o amor.
NESTOR OURIQUE MEDEIROS |
CULTURA!
2 Comentários
Primo, adorei teu texto! Me fez pensar como as palavras nunca são neutras e como as vezes escondem desigualdades e até violências. Obrigada por essa reflexão tão necessária. Que baita texto, orgulho de ti!
ResponderExcluirÓtimo texto! Parabéns!
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