No fogão improvisado a janta cozinhava. Havia varrido o piso de chão batido com esmero. Fazia um ano que não a via. Ao lado da cama recolhida de um lixão, Kika, a nossa cachorrinha, descansava sabendo que hoje seria uma noite especial. Ela passaria o Natal conosco.
Eu me consolava catando, mas ela não se conformava. Queria uma roupa melhor, um chinelo, uma decoração para o nosso "lar". Fazia pequenos furtos nas lojas. Um dia, foi pega. Dali pra cá, a dor e a solidão foram minhas companheiras. Hoje é Natal. Hoje, ela vem pra casa, vem pra mim. Amanhã, ela é novamente do Sistema.
No fogão, a janta esfria. Kika dorme e talvez sonhe com guloseimas e brincadeiras de cachorro. Eu espero, e peço, e olho pelas frestas do viaduto para o céu estrelado, pensando no menino de Belém.
Peço que, se tem alguém em algum lugar, lá em cima, velando por nós, lembre a ela que hoje é Natal, e que tem uma janta a esperando, e um coração e um lar saudoso que a quer, mesmo que só uma vez por ano.
Hoje, é Natal...
Texto: Patrícia Maciel
Arte. Jorginho
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