O SIMIÓIDE



   O esquecimento da cultura


   Para inaugurar essa coluna, em meio a pandemia mundial de Coronavírus em 2020, eu

pensava em partir já para um texto extremamente político. Desisti. Pois aqui pretendo falar de
política sim, mas sempre sob a visão da cultura ou numa visão pessoal sobre cultura. Vamos a
isso. 


   Estamos esquecendo de consumir cultura. Digo isso como um fato, pois é, sim, a verdade.

Basta nos perguntarmos rapidamente: qual o objeto de cultura que consumi hoje? Estamos
imersos em notícias e posts de amigos nas redes sociais. Mesmo com o jornal, quando
raramente pegamos um na mão, pulamos diretamente para a notícia de capa. Temos mais
preocupações hoje em dia do que ânsia de absorver cultura. Assim, nem sequer lemos as
tirinhas. Acha mesmo que podemos deixar de consumir uma linha de cultura por dia no nosso
curto período de vida? Não podemos. Mal temos tempo para consumir a quantidade ideal,
imagina selecionar dias para não absorver cultura. Não mesmo.


   Qual foi a última vez que pegamos um catálogo de filmes e escolhemos um aleatoriamente?

Sempre assistimos filmes indicado por alguém ou por veículos de mídia. Livros, a mesma
coisa. Quadrinhos? Quem é que não segue um canal de YouTube sobre quadrinhos? De todo
modo, nos falta a vontade. Estamos perdendo a vontade de consumir cultura de um modo
geral. Quando foi a última vez que fomos a algum evento gratuito de teatro? Ou de cinema?
Quando fomos pela última vez, única e exclusivamente para o centro de Porto Alegre curtir os
artistas de rua? Sempre passamos direto por eles. Sem parar nem para respirar um pouco.


   Estamos muito ocupados. Temos coisa melhor para fazer. Temos que correr atrás do dinheiro
continuamente. 10 horas por dia estamos ligados a alguma atividade relacionada a algum
objetivo financeiro. Óbvio que isso é importante. Mas não é importante consumir cultura?
Apoiando os artistas locais e mostras gratuitas? Não reclamamos tanto do preço de shows e
salas de cinema? Então por que não lotamos mostras gratuitas? Estamos cegos.
Simplesmente e diretamente cegos. Completamente surdos.


   Olha, eu adoro tecnologia. Justamente isso que me fez perceber. Ao ver as pessoas, horas e
mais horas olhando o nada na tela de celulares, elas não estão vendo um curta, um livro, um
conto, as artes do seu artista favorito. Não estão pesquisando a história de nenhum artista. A
análise de alguma arte. Nada. O vácuo total. Já está enraizado ao redor das pessoas o orgulho
de ignorar a arte. E o que me assusta mais é quando percebo que estamos aceitando isso.
Logo nós, agentes da arte.


   O mais triste, pelo menos para mim, foi perceber como isso tem refletido na vida das pessoas.
Elas estão sem saber lidar com suas emoções. Tomando remédio infinitamente. Sentindo tédio
infinito. Ódio infinito. Elas mal lembram como é o seu real reflexo frente ao espelho, frente ao
seu filme favorito. Talvez aquele da infância que sempre te fez chorar. Aquela música que
lembra um momento feliz, ou extremamente triste. Estamos evitando esses momentos? Talvez.
Só sei que é muito triste ver as pessoas tão perdidas em uma época com um acesso tão
facilitado a arte.


   Parem! Parem de se dar desculpas. Compareçam a eventos. Teatro, shows, cinema alternativo
(viva o Capitólio!), praças, festivais, mostras, espaços culturais, faça aquele curso gratuito que
sempre quis fazer. Se puder, pague aquele curso barato. Só pare de dar desculpas. A arte
precisa de ti sim. Mas não imaginas o quanto tu precisas dela.


   Ainda mais neste momento. Ainda mais neste momento. Ainda mais neste momento...


   Aqui, o simióide. Começando a tentar achar soluções para uma sociedade que começa a sentir
o nível do mar de sangue subindo pelas canelas

André Palma Moraes




   


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