SAUDADE
Dá pra ter saudade de alguém que você não conhece?
Não sou especialista em saudade, até porque na minha língua materna esse conceito não existe. Temos, isso sim, palavras com significados parecidos: Heimweh (saudade da terra natal ou de casa), Fernweh (saudade de estar longe, de viajar, de conhecer lugares novos), Sehnsucht (desejo doloroso de algo ou alguém).
Eu nunca tive Heimweh, sempre tive Fernweh e vivia cheia de Sehnsucht da Larissa quando namorávamos a distância. Mas saudade, saudade mesmo, no verdadeiro e brasileiro sentido da palavra, eu não sabia sentir. Aprendi isso há três anos. Faz três anos que uma saudade pontiaguda invadiu meu corpo e alma e nunca mais me abandonou.
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Logo eu, que sou difícil de lágrimas, chorei feito criança quando ouvi a notícia. Era 15 de março de 2018, um dia depois, eu estava tomando o café da manhã e ouvindo a Rádio Universitária e aí eu soube. Da Marielle. Do assassinato. Da sua família. Da dor. Da saudade. Saudade dela, deles, minha. Soube também, com o impacto que a dor e as lágrimas romperam minha paz, que a saudade nunca mais iria embora. Naquela manhã há três anos, eu não conseguia parar de chorar e choro até hoje nos dias 14 (e às vezes também nos outros). Quantos já passaram? 36 dias 14. 36 meses sem Marielle, 156 semanas, 1095 dias. Três anos.
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Sim, dá pra ter saudade de alguém que você não conhece, do mesmo jeito que dá pra sonhar com um mundo diferente. Um mundo em que o amor, o respeito e a justiça social terão vencido o ódio, a intolerância e a desigualdade. Marielle lutava por esse mundo, compartilhava esse sonho.
Minha saudade dela é o luto do sonho-mais-bonito interrompido.
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Mas não se engane: Marielle não andava só. Eu também não estou só com minha saudade, ela é coletiva. Coletiva como o sonho de um mundo melhor, coletiva como a luta por justiça, coletiva como a primavera. Coletiva como Marielle. Não vão nos calar. Avante!
Foto: @galbanogueira |
Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Atualmente vive em Pernambuco, no meio da Mata Atlântica, junto com sua esposa Larissa, sua enteada Morena, o gato Salém e o cachorro Chico. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora) e Histórias de uma quarentena (Expresso Poema Editora). É colunista do coletivo de cronistas nordestinas @bora_cronicar e do blog Escritor Brasileiro. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares.
2 Comentários
Mariele presente, sinto saudade também dela, penso na necessidade dela como política
ResponderExcluirCertamente, a gente precisa de políticas como a Marielle para fazer do Brasil um lugar melhor. Mas uma coisa que a gente pode fazer é apoiar o Instituto Marielle Franco, dirigido pela irmã dela. E cobrar justiça, sempre.
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