ISSO DÁ UMA CRÔNICA

 Você é amiga da Samara? 

Quando contamos para nossa amiga Samara que íamos voltar não só para Fortaleza, mas também para o condomínio no Papicu, ela ficou toda empolgada: 


Vocês nem sabem! Outra amiga minha está morando lá também. Inclusive no mesmo bloco! 


— Sério? Em que andar? 


— Ah, não lembro. Acho que no segundo. Ou era no primeiro? Não, peraí, se não me engano é no terceiro... Na verdade, só sei que não é no quarto, que é o de vocês, né? 


Amiga da Samara é amiga da gente. Por isso, logo após a mudança fomos atrás dela para chamá-la para um café. Passamos uns dois meses e meio perguntando para cada mulher com quem nos topávamos nas escadas se era amiga da Samara. A resposta sempre era negativa. Como sou ruim de nome e pior de rosto, acho que cheguei a fazer a mesma pergunta para a mesma pessoa várias vezes. As respostas continuavam negativas. 


Pensando bem, acho que isso seria um ótimo truque de marketing. O prédio todo deve estar se perguntando até hoje quem é a tal da Samara. O sonho de qualquer marqueteiro! Vou pensar numa forma de usar isso para vender meu livro... Talvez algo assim: 


— Oi, você viu um Tatu por aqui? 


— Um tatu? Aqui no Papicu? 


— É, aqui no prédio! Deixei ele bem ali, em cima desse puff verde-vômito, e quando voltei da garagem, ele não estava mais aqui. Será que alguém levou? 


— Você deixou um tatu aqui no hall? 


— É. 


Nessa parte a pessoa vai fazer uma cara meio quem-é-essa-doida e meio vou-chamar-o-Ibama-agora-mesmo, e aí eu vou acrescentar bem assim, como quem não quer nada: 


— Na verdade, não é um tatu-tatu... É um livro. Tem um passarinho cortado na capa. 


— Tem o quê?? 


Aí eu vou achar que a estratégia não funcionou porque agora a pessoa está retrocedendo, olhando pra mim toda desconfiada, e eu nem cheguei na parte de oferecer meu produto pra ela: 


54 conto, mas posso fazer por 49... preço especial entre vizinhas. O que você acha? 


Mas nisso, a pessoa já terá subido as escadas correndo, maldizendo mais uma vez a falta de um elevador, e eu só ouvirei a chave trancando a porta por dentro. Duas vezes. E vai que essa era justo a amiga da Samara, que agora, obviamente, não vai mais querer saber de tomar um café com a gente e – pior – nem de comprar meu livro. É, vou ter que melhorar esse marketing aí... 

 

Estava pensando sobre isso ontem, voltando de um dos diversos passeios diários com Chico quando, entrando no hall, ouvi o barulho de passos se aproximando pelas escadas. Chamei Chico para o lado e esperei a pessoa descer antes de subir com ele, pois nem todo mundo é adepto a encontros com cachorros gigantes no meio da escada. E realmente: assim que a vizinha avistou a criatura, parou no meio do movimento. 


— Posso passar? — perguntou, visivelmente assustada. 


— Claro, ele é bonzinho. Chico, senta. 


Óbvio que nessas horas ele não senta. Ficou observando a moça atentamente, orelhas levantadas, acompanhando cada passo. Ela continuou descendo mesmo assim, meio preciso-sair-fazer-o-quê, meio será-que-vai-ser-hoje, passando o mais longe possível da gente – o que num hall minúsculo não é lá muita coisa –, quase se esfregando no puff verde-vômito pra ganhar mais uns centímetros de distância entre ela e o Chico. Já tinha alcançado a porta, estava com um pé na garagem, quando, de repente, parou de novo e se virou para mim, uma dúvida brilhando nos seus olhos: 

— Você é amiga da Samara? 


Yvonne Miller
Foto: 
Thaís Vieira


Yvonne Miller é natural de Berlim, mas prefere o calor do Norte e Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017. Alemã de nascença, brasileira de alma, apaixonada pela crônica, linguista, admiradora de cactos, geminiana e muitas coisas mais. Tem crônicas e contos publicados em várias antologias e escreve quinzenalmente para a “Rubem – Revista da Crônica”. É uma das organizadoras da coletânea “Quando a Maré Encher” (Mirada, 2021) e autora de “Deus Criou Primeiro um Tatu: Crônicas da Mata” (Aboio, 2022), que reúne 50 crônicas – ora humorísticas, ora reflexivas, poéticas ou políticas – sobre sua convivência com a flora e fauna na Mata Atlântica pernambucana. Atualmente mora na ilha de Algodoal, no Pará, junto com sua esposa, gato e cachorro. Contato: @yvonnemiller_escritora

Silvio Ribeiro com uma rifa solidária

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