DOSSIÊ KOBIELSKI

 A IMPORTÂNCIA DE EL ETERNAUTA PARA OS 

QUADRINHOS LATINO – AMERICANOS

Para aqueles que curtem as histórias em quadrinhos, assim como eu, não têm como ir à Buenos Aires e não percorrer o “Paseo de La Historieta”. Um circuito de rua que passa pelos bairros de San Telmo, Montserrat e Puerto Madero. Trata-se de uma homenagem às principais tirinhas da história dos quadrinhos argentinos – lá chamados de historietas. Além das esculturas, o percurso conta também com postes, placas e murais alusivos ao tema.

Nessa caminhada podemos encontrar a Mafalda - a mais procurada pela maioria dos visitantes, Isidoro, Patoruzú, Clemente e Gaturro, entre outros.

Mas, um personagem pouco badalado desse tour, também merece destaque: El Eternauta. El Eternauta é uma história em quadrinhos de ficção científica escrita pelo autor argentino Héctor Germán Oesterheld com arte de Francisco Solano López, que foi publicada pela primeira vez publicado originalmente em 106 episódios na revista Hora Cero Semanal, entre 1957 e 1959.


A história traz Juan Salvo, sua família e amigos, que se veem forçados a sobreviver após uma nevasca mortal de origem misteriosa atingir o mundo, um único floco de neve na pele é capaz de matar. Combinando elementos de ficção científica e crítica social, El Eternauta se diferenciou das narrativas populares da época ao explorar questões de resistência, isolamento e opressão. Ao longo das décadas, El Eternauta conquistou prestígio internacional, sendo considerado por muitos como a primeira grande obra de ficção científica da América Latina. O tom sombrio e politizado da história foi um reflexo dos tempos turbulentos que a Argentina vivia sob regimes autoritários, o que deu à narrativa uma camada extra de profundidade.

O protagonista, Juan Salvo, não é um herói convencional. Ele não possui superpoderes, não veste capa nem busca salvar o mundo. Em vez disso, é um homem comum, tentando proteger sua família e sobreviver a uma ameaça alienígena. Essa escolha narrativa reflete o espírito motivador das ideias e costumes latino-americanos, em que a resistência coletiva e a solidariedade são as verdadeiras formas de heroísmo. Oesterheld transforma o “homem anônimo” em uma figura central, um contraponto ao individualismo característico de muitos heróis ocidentais.



A força de Juan Salvo está em sua humanidade: no truco jogado com amigos, na busca desesperada para proteger os entes queridos e na luta pela sobrevivência em meio ao caos. Sua jornada é um retrato coletivo, uma visão utópica da solidariedade como resposta à desordem de um mundo fragmentado.

Oesterheld publicou um remake de El Eternauta, em 1969, na revista Gente (o equivalente argentino da revista Caras) com arte de Alberto Breccia. Aqui cabe uma ressalva acerca do trabalho de Breccia: sofreu críticas do editor por não compreender a dimensão de sua arte nessa publicação. Nessa história Oesterheld ampliou o tom político de sua obra.


A adesão de Héctor Germán Oesterheld à guerrilha dos Montoneros e a reescrita de O Eternauta em 1976, uma sequência ilustrada por Solano López - agora como uma crítica explícita ao regime, revelam a evolução de um autor que compreendeu que as palavras podem ser armas tão poderosas quanto balas.

As duas HQs apresentavam um tom mais político, reflexo da situação política na Argentina com o golpe militar.

O golpe de Estado de 24 de março de 1976 deu início à noite mais longa e escura da Argentina contemporânea – e o El Eternauta II se converteu em metáfora crua e violenta, uma sentida homenagem ao sangue derramado dos milhares militantes da organização Montoneros e outros grupos de esquerda torturados e assassinados.

A continuação de El Eternauta lança luz sobre um período que deixou muitas feridas abertas na busca incessante pela justiça. Essa série publicada entre os anos de 1976 e 1978, marcou a fogo a história dos quadrinhos argentinos e também de seus autores Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López.

Oesterheld escreveu essa obra na clandestinidade, depois do sequestro e do assassinato de suas filhas e e da apropriação de dois de seus netos pelo governo, e antes de ser sequestrado, foi torturado pelas forças da ditadura. Seus restos mortais - assim como os de muitos outros desaparecidos – nunca foram encontrados.




No início de 2024, a plataforma de streaming Netflix anunciou a adaptação de El Eternauta para uma série internacional, com previsão de estreia em 2025. A minissérie da Netflix terá, em princípio, seis episódios, com direção de Bruno Stagnaro. O elenco, além de Darín, maior nome do cinema argentino — atuou em quatro filmes indicados ao Oscar internacional: O Filho da Noiva (2001), o premiado O Segredo dos seus Olhos (2009), Relatos Selvagens (2014) e Argentina, 1985 (2022) —, inclui Carla Peterson, o uruguaio César Troncoso e Marcelo Subiotto. Martín M. Oesterheld, neto do quadrinista, foi consultor criativo do roteiro assinado por Stagnaro e Ariel Staltari. A produção é da K&S FILMS, que tem no currículo os longas Relatos Selvagens, O Clã (2015) e A Odisseia dos Tontos (2019) e a série Vosso Reino (2021-2023).

Confesso desde já, uma certa preocupação quanto aos rumos dessa adaptação. Segundo o jornalista Ticiano Osório: “A Argentina tem uma forte tradição em produções audiovisuais de qualidade. A grande questão é se a adaptação manterá o tom crítico com discussões políticas e sociais da obra original ou se optará por ser uma obra mais genérica, dando foco para a aventura e o mistério fantástico, alienando estes temas do contexto social e político dos quais são alegorias e sobre os quais os autores queriam discutir”.

Aguardemos com expectativa do que está por vir. Que sejamos brindados com uma obra digna da eternidade.









TRAILER:

Paulo Kobielski

Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação. é uma espécie superior de gaúcho, pois é gremista!, escreve a coluna Dossiê Kobielski, para ler, clique Aqui.

Dizem que Paulo viajou no tempo para enfrentar os extremismos e os ódios através da educação, da cultura e dos quadrinhos, e que guarda em seu roupeiro uma roupa e uma viseira de mergulhador.

Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria Aqui.
Também é um dos apresentadores do podcast cultural Coletive Som, A voz da Arte. Para escutar os episódios clique Aqui.
Confiram o episódio n# 02, apresentado por Patrícia Maciel e Luciano Xaba, entrevistando o Paulo Kobielski, clicando Aqui.

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

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