Naigaron
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Capítulo I - Uma estranha no ninho
Parte 2
Laura comeu o mingau enquanto refletia sobre aquele último instante junto de Alue. Sabia que agira com muita imprudência desde o início, porém ainda era difícil controlar seus impulsos, sempre que sentia algo, respondia através dos seus sentimentos. Julgava aqueles que viviam de aparências ou falsidades e todos naquela casa lhe causavam essa impressão. Ah, seria tão bom se todos pudessem viver de forma limpa e sincera… Suspirou pensando em como toda aquela farsa lhe cansava.
Hannat era o nome da sua suposta mãe. Desde o primeiro dia em que colocou os olhos nela, comentava sobre o seu cabelo “por que deixa solto, se embaraça tão fácil?”, sobre suas roupas, sobre seus modos. Laura não suportava ficar mais que dois minutos na presença dessa mulher, porque apontava até para as suas espinhas no rosto.
Seu pai, Roul, o Dirigente do Condado das Águas, era um homem mais calado, parecia muito com “ele” (engoliu em seco, proibira a si mesma de dizer o nome). Em todos os casos, não teve muito contato com Roul, era como se ele nem existisse - uma mera figura decorativa.
Terminou o mingau. Levantou-se da mesa e caminhou até a janela. A única coisa que lhe fazia bem era a paisagem. Águas límpidas e cristalinas britavam das pedras e das raízes das árvores, descendo pelos pequenos relevos, formando mini cachoeiras que serpenteavam todo o vale, até chegar ao centro do Condado. Do alto da sua janela, podia avistas casas distribuídas pelas colinas maiores, até chegar ao centro, onde vários mercadores e estudiosos se reuniam para movimentar o Condado.
A única coisa bonita nessa nova vida era aquele lugar. A garota inspirou profundamente o ar que adentrava sua janela. Até o vento tinha penas gotículas de água. Era uma umidade nunca vista no outro planeta. Ela sentia uma imensa conexão com a natureza.
Essa tomada de ar serviu para trazer mais firmeza à Laura. O olhar de Alue e suas palavras lhe trouxeram força também. Naquele momento, sentia que fizera uma amiga, alguém que a ajudaria nos momentos mais difíceis daquela casa. A jovem jurou a si mesma, diante daquela paisagem deslumbrante, que jamais tornaria a fugir enquanto não tivesse certeza suficiente de que tinha para onde ir e como ir. Ela também prometeu a si mesma agir com mais razão e evitar seus impulsos ao máximo. Sabia que tudo era treino, porém aquele momento era crucial e seu esforço definia a sua liberdade ou eterna prisão.
Nos dias que se sucederam, Laura manteve-se o mais tranquila possível. Pediu a Alue que lhe trouxesse livros sobre Naigaron e outras informações, para conhecer melhor o lugar. Ela amava livros, pois sua mente podia viajar com eles, enquanto seu corpo permanecia preso. Com o passar de dois dias, libertaram-na da corda, ela ganhou a permissão para andar livremente pelo quarto, mas ainda só podia sair deste.
À noite, sentada na janela, chorava olhando para o horizonte. Suas lágrimas pareciam voar junto com o vento, assim como as águas das cachoeiras. A jovem sentia um aperto em seu coração. Tantas coisas a incomodavam. Sentia uma solidão imensa, embora lhe dissessem que estava em casa. Tinha muitos medos e dúvidas sobre sua liberdade. Para piorar tudo, pensava “nele”, mesmo lutando com força contra as lembranças. Se pudesse se transformar numa gota de água e voar com o vento, tudo estaria melhor.
- Cuidado para não cair! - exclamou Alue, entrando em seu quarto totalmente escuro. - Por que as luzes estão apagadas? Até pensei que fora dormir cedo.
- Fiquei assistindo o cair da noite… - respondeu ela, ainda olhando para o horizonte - não quis estragar a vista.
- Trouxe outro livro - disse a serva, acendendo a luz.
- Alue! - exclamou ela rapidamente, descendo da janela num pulo, como se tivesse despertado de um sonho. - Por acaso esse livro mostra o mapa de Naigaron? Tenho tanta curiosidade de saber onde ficam os outros condados.
- Não temos um livro com esse mapa na biblioteca, apenas os Conselheiros possuem essa informação.
- Por que?
- Eles dizem que é para evitar que os grupos entrem em conflitos, mas eu duvido que seja esse o motivo.
- Então o que você acha que é o verdadeiro motivo?
A serva respirou fundo, enquanto puxava a cadeira e sentava próxima da cama. Laura sentou na ponta, para que pudessem falar mais baixo.
- Acredito que eles guardam o mapa para que ninguém saiba onde se encontra o antigo Sacerdote.
- Como assim? Quem é ele?
- Antes de você nascer, quando o Condado das Águas e os Nômades das Águas estavam em guerra, o Sacerdote ainda fazia profecias sobre o futuro. Dizem que ele sabia do seu destino antes mesmo de nascer. Mas logo que a guerra acabou, ele sumiu. Ninguém sabe ao certo onde ele vivia. Temos pistas, mas sem o mapa, não podemos chegar lá. Seria muito perigoso.
- Nômades das Águas? - indagou a jovem.
- Essa é uma outra história que te contarei outro dia. Eu não posso me demorar no seu quarto. - respondeu ela, se levantando e guardando a cadeira, mas ainda sussurrando - vim apenas para te dizer que daqui há alguns dias terá uma reunião geral na Casa Principal. Os Dirigentes apresentarão vocês para o Condado. Eu soube disso, mas sua mãe virá amanhã lhe contar. Finja que não sabe ainda e confirme que irá.
- Por que essa reunião é importante?
- Porque alguns Conselheiros estarão presentes e vão observá-la. Tenha todo cuidado possível e mostre que está disposta a pertencer a esse lugar. Se convencer eles, poderá convencer a casa toda e sair desse quarto finalmente.
A jovem agradeceu a amiga. A esperança voltou para o seu coração. Finalmente o planejamento estava acontecendo e a maior oportunidade chegou. Prometeu que seguiria todos os aprendizados dos livros e os conselhos da serva.
Miriam Coelho |
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