A Queda de Murdock
No limite da sanidade

A palavra HERÓI voltada para a 9ª Arte denota rapidamente a um super ser que voa, solta raios, é invulnerável, lê mentes, vem de outro planeta... Para quem não curte esse tipo de história estereotipada, eis que A Queda de Murdock mostra o quão humana a vida de um herói pode ser e, diferente do que pensam, é uma das mais dramáticas histórias já criadas deste Universo. Quem acompanhou a primeira temporada de Demolidor: Renascido no canal da Disney+ este ano a partir de março, vai notar muita semelhança no que foi criado pelo talentoso Frank Miller e David Mazzucchelli.
Começa com a ex-namorada viciada em drogas (Karen Page) vendendo a identidade do personagem a um traficante, que repassa a Wilson Fisk (Rei do Crime). A vida do Advogado é destruída, mergulhando de cabeça no submundo da Cozinha do Inferno. Há algo a esclarecer sobre as diferenças dos personagens entre as HQs e a Série da Disney+, principalmente Karen Page. Para formular esse arco, Miller resgatou a ex-namorada do Advogado cego, que estava no esquecimento e a coloca como uma atriz pornô viciada em álcool e drogas. Para sobreviver, ela “vende” a valiosa informação da identidade secreta do Demolidor. A partir daí, a vida dele se torna um desastre. Logo nas primeiras páginas percebe-se o quanto profundo o inferno pessoal e físico chegará na vida do Advogado.

Frank Miller imaginou o pior que poderia acontecer ao ser humano com estabilidade, dinheiro, nome confiável em meio aos Advogados e Juízes, autoconfiança, poder de decisão, fiel, amigo e com agradável presença.
Imagine que, da noite para o dia, tudo isso acaba. Nada de dinheiro, sem casa, nome envolvido com a máfia, amigos se afastam, com pouco tempo sem ter onde dormir e o que comer, sem ter onde buscar socorro... Tornando-se um pária na sociedade, um sem teto, um invisível... Um nada! Das perdas pessoais e dores físicas obtidas pela violência de pequenos criminosos de rua, o que mais o deixa frustrado é não saber quem o traiu. Confiar em amigos, jamais. Que amigos? Não existe nada mais a não ser vingança.
Apesar de seu ateu, Frank Miller seguiu uma linha interessante de passagens bíblicas no roteiro e isso acompanhou até o último capítulo. Escrito para durar 1 ano, subentendendo sobre as 12 passagens do Messias (do nascimento à morte), o cansaço de não conseguir obter mais do que poderia, acabou finalizando em 8 capítulos. O próprio Frank Miller disse, em uma entrevista, que quando chegou na Parte #7, ele não sabia como terminar e acabou colocando outros personagens para fechar o arco com Chave de Ouro (um ouro meio suspeito) que valeu cada centavo.

Sobre o raciocínio narrativo do escritor, o artista David Mazzucchelli captou exatamente o que era proposto. Sempre no início de cada capítulo transparecia uma cópia do anterior, mas como uma fotocópia que não segue bem o original, depois, no terceiro, outra cópia, e outra e etc. Não pela parte ruim do roteiro, que não tem nenhuma, mas pela situação que se agravava. A obra traz a natureza feroz de um ser humano que tinha tudo e agora não tem nada a perder e se transforma em um ser malicioso passando por vários estágios psicológicos, desde aceitação para surpresa, inocência, depressão, raiva, loucura, reconhecimento pessoal e renovação (ressurreição). Tudo isso após passar por um verdadeiro Purgatório que nem Dante poderia conceber. Percebe-se que os títulos são voltados aos escritos bíblicos e até a imagem de sua recuperação (ressurreição), o personagem aparece numa forma do messias na cruz. E onde se deu esse retorno pessoal? Nada tão lógico quanto numa Igreja.
Após essa saga extraordinária, diferente de qualquer contexto criado pela Marvel, Frank Miller se tornou um dos maiores artistas em personagens urbanos, especialista em mostrar a fraqueza dos personagens. Foi assim em Batman: Cavaleiro das Trevas, 300, Robocop e as famigeradas histórias de Sin City, todos adaptados para cinema. Para quem tem coração forte, prepare-se para esta viagem impressionante que Miller ofereceu aos amantes da 9ª Arte.
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Frank Miller e David Mazzucchelli |
Trailer de Demolidor: Renascido
8 Comentários
David Mazzucchelli virou meu artista preferido da sua geração por causa dessa hq. Pena que no auge foi pra Academia dar aulas e fazer HQs experimentais. Quanto ao roteiro talvez seja o Auge de Frank Miller. Uma obra crítica e ácida, mas humana e cheia de esperança
ResponderExcluirOs dois realmente fizeram uma parceria fantástica, como uma coreografia perfeita. Este arco jamais deve ser esquecido.
ExcluirPor causa dessa hq David Mazzucchelli virou meu artista preferido de sua geração. Quanto ao roteiro deve ser o auge do Miller em tudo,inclusive crítica a era Reagan, militarismo, corrupção e Cia. Fez uma HQ ácida,mas sobre redenção e esperança
ResponderExcluirPerfeita a sua colocação. Miller humanizou a 9ª Arte. Mostrou que personagens sentem, sofrem e são, de certa forma, "humanos".
ExcluirO exemplar que encontrei na biblioteca do colégio onde fiz o Ensino Médio foi a versão que saiu em Demolidor Especial 2 (Editora Abril) que republicou a saga que tinha saído mensalmente na Superaventuras Marvel. Li e achei impaciente
ResponderExcluirNo período da Abril muito material foi modificado. A arte tomou outro rumo e muito do texto também. Vale salientar que nesse período os formatinhos eram voltados pra um público um pouco mais infantil. Caso encontre encadernados da Panini e Salvat (há várias publicações), vai observar a diferença, é como se fosse A Liga da Justiça de Wedon com a de Snyder.
ExcluirÓtima resenha, muito bem escrita! Acredito que tenham incorporado muito dos volumes finais de A Queda de Murdock na 2º temporada de Demolidor, ainda da Netflix, pois vemos uma Karen em recaída e um Murdock buscando asilo no convento, onde descobre que a freira que cuida dele é sua mãe.
ResponderExcluirParabéns pela análise!
Agradeço suas palavras, Nicole. Você deu um bom spoiler sobre a "freira", algo que deixei escondido de propósito. Mas sua memória está boa. Realmente boa parte encontra-se na Temporada da Netflix. Mas, convenhamos, retratar tudo isso em streaming não tem como, já que os fatos sobre a ID de Murdock já há tempos foi descoberta. Agora é aproveitar tanto a obra física quanto na TV.
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