A Melodia do tempo
Parte 8
Novamente ela ficou com o sonho na cabeça. Havia algum motivo para estar sonhando tantas vezes e com as mesmas pessoas. Pensou na possibilidade de vidas passadas, porém não acreditava muito nisso, Manuela carregava uma raiva muito grande de qualquer crença religiosa. Sua mãe tentou iniciá-la diversas vezes na igreja. Porém ela se rebelava e não concluía qualquer espécie de ritual que a prendesse aos dogmas. Fora apenas batizada porque ainda era um bebê recém nascida e não tinha como se defender.
Suspirou profundamente, sentando na cama, seus sonhos brigavam por espaço em sua mente junto com a incógnita sobre família e as saudades que sentia de Art - estava há dois dias sem vê-lo. Naquela manhã evitara qualquer alimentação, bebendo apenas água, pois, caso houvesse algum remédio nela, sentiria o gosto.
Para que pensassem que ela estava comendo, despejou o alimento no vaso salário do banheiro do quarto. Assim que entrassem, voltaria para a cama e fingiria estar dormindo ou muito cansada. Porém essa estratégia não duraria muito tempo, logo passaria mal pela fome, que já corroía seu estômago.
O dia correu lentamente, enquanto ela alternava sua prisão entre escrever, ler e fingir que dormia. Seu irmão viera em seu quarto diversas vezes para acompanhar como estava, porém não conseguira escutar outra conversa novamente.
Quando a noite caiu, Manuela já estava profundamente aflita. Vasculhou cada canto de seu quarto à procura de alguma fenda, buraco, tábua solta ou passagem que pudesse libertá-la do martírio. Não encontrou nada.
Arrastou-se até a única janela forçando-a mais uma vez. Em vão. Estava muito bem presa. Pelas frestas da veneziana podia sentir o cheiro da noite na mata. Em um dos vãos, avistou a lua a pino no alto do céu estrelado. Olhou com súplica para o horizonte e pediu, com todo o seu coração, que pudesse ser livre novamente. As lágrimas caíram dos seus olhos sem nenhum esforço. Lembrou-se de Art, da primeira vez que o encontrara e da música que soava alta em meio à floresta. Por um tempo, reproduziu o som em sua memória, enquanto seu rosto lavava-se de saudade. Se sua alma pudesse sair do seu corpo, visitar o mundo lá fora, talvez jamais retornaria para o mesmo.
De repente percebera que a música do violino de Art realmente soava na sua janela. Um calor imenso invadiu seu coração. Ele estava realmente perto? Ou seu desejo de desprender-se do corpo fora concedido pela lua?
- Art… - sussurrou ela, sorrindo entre as lágrimas. O sussurro vinha mais do seu coração que de sua garganta.
Questionou sua sanidade. Era óbvio que tudo era fruto da sua imaginação. Para encontrá-lo tinha de andar bastante na mata.
- Estou aqui… - disse uma voz exatamente igual a dele.
Ela saltou de surpresa! Desprendeu-se da janela. A música cessara. Mas teve a nítida sensação de a ter escutado, junto da voz dele. Procurou pelas frestas da veneziana a sua imagem, porém não encontrara nada. Estava sonhando tão alto com ele que confundia realidade com ilusão? Depois de tanto procurar, suspirou decepcionada.
- O que houve? - perguntou novamente a voz dele. Vinha de dentro do seu quarto.
- Você está aqui? - indagou ela, procurando-o novamente com euforia.
- Sim. Perto da janela, olhe para o chão.
O quarto estava escuro e ela não queria acender a luz para não chamar a atenção de ninguém, então pegou a lamparina ao seu lado e vasculhou o chão. Surpreendentemente havia um galho de árvore invadindo o piso do seu quarto de fora para dentro. Manuela o tocou e ele se movimentou em resposta.
- Sou eu.
- M-mas c-como… C-como conseguiu vir até aqui?
- Não estou exatamente aqui, mas uma das minhas raízes veio até você.
- Como me achou?
- Você me chamou.
- Podemos nos encontrar assim?
- Em qualquer lugar, sempre nos encontraremos…
A jovem sorriu, queria muito abraçá-lo. Porém, como não podia, limitou-se a deitar no chão ao lado dele e olhá-lo com muita ternura. Estava com saudades do seu amigo. Sentia que era com quem mais podia contar no mundo.
Miriam Coelho |
0 Comentários