C.F.C. CELESTIAL FUTEBOL CLUBE
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Parte -3
Pela segunda vez na história o Campeonato Citadino foi encerrado sem declarar um campeão. Agora, por respeito e luto; no passado, por uma briga generalizada sem mortos, mas com dezenas de feridos.
O céu está encoberto por nuvens escuras e chove. A quantidade líquida da chuva não se iguala à quantidade de lágrimas vertidas por uma multidão digna de um jogo importante, que toma conta do cemitério. Venceslau está inconsolável. Os companheiros do grupo de samba até tentaram ensaiar um arranjo de samba para a “Marcha Fúnebre”, mas desistiram. Mas no momento em que o trombonista de vara inicia um solo, que logo será acompanhado pelos outros instrumentos, o belo samba preferido do falecido faz um coro de dezenas de vozes entoar a letra, mesmo com o incremento das lágrimas.
Antes do caixão submergir no solo, uma garota de tez morena e cabelos aloirados se atira sobre o tampo e grita:
- Por que fez isso comigo? Por que???
Mas logo outra um pouco mais velha, cabeleira black power, alta e forte, desabanca a jovem do lugar, se debruça sobre o caixão e esmurra o tampo.
Os amigos do grupo de samba, sabedouros da solteirice propalada pelo falecido, comentam entredentes coisas do tipo: “esse Venâncio não era fácil”; “ele gostava de dizer que tinha várias fãs interessadas em seu ‘pautencial’; “se não baixarem logo o caixão, vão aparecer outras”.
Venceslau não chora mais. Está sentado sobre uma lápide e cabisbaixo.
Assim como os gols de Venâncio, esse seria um enterro lembrado e comentado por muito tempo.
O tradicional bar da esquina tem um clima exatamente oposto ao do final de semana anterior. Venceslau e os amigos estão sentados a duas mesas unidas.
Escorados na parede ao lado estão os instrumentos abandonados, tão calados quando os seus músicos. O silêncio só não é completo porque um grupo de homens bebendo cerveja sem parar, produz ruídos. Venceslau já bebera muitas e continuava entornando como se fosse um saco sem fundo.
Um menino de cerca de 12 anos e segurando uma bola de futebol entra no bar e vai direto à mesa.
- Seu Venceslau. Será que podia autografar essa bola para mim? - estendendo uma caneta para o jogador.
Venceslau ergue a cabeça do copo, olha para o garoto e esboça um sorriso triste, tanto quanto isso é possível. Então pega a bola e a caneta, gira a esfera de couro nas mãos e então congela ao reconhecer a assinatura de Venâncio. Venceslau deixa caneta cair, abraça a bola e começa a chorar. Os amigos ficam constrangidos, sem saber o que fazer. Um deles tenta retirar a bola do meio-campista, que a abraça ainda mais, como se fosse um ente querido e aumenta o choro. Os amigos ajudam o menino a ir embora, muito contrariado.
Passados três meses, o Campeonato Citadino vai recomeçar. Depois de muitas reuniões e deliberações a comunidade da Vila do Papelão decide por maioria, que o Bergamota Mecânica deve participar, mesmo sem os Vevês, com uma forma de resistência.
Na rua sem calçamento está rolando uma “pelada”. Seis guris, entre os quais o da bola autografada “roubada”, em trios como times e latinhas delimitando as goleiras, se divertem nesse simulacro de um jogo de futebol, que tornou-se raro na modernidade.
Venceslau está com uma barba incipiente, típica de quem não se barbeia há semanas, vestindo uma calça de abrigo desgastada e uma camiseta com numeração maior que oculta a barriguinha, enquanto avança pela rua, cabisbaixo. Um dos garotos chuta e a bola vai rolando, rolando, rolando até bater nos pés dele, que se surpreende. Ele levanta a bola com um pé, como se fosse fazer embaixadinhas, mas a agarra com as mãos. Ele fica com o olhar fixo na bola, até que começa a chorar e a abraça. Um pouco mais adiante, o menino que tivera a bola “roubada”, fica indignado e grita: “de novo, não!”
Depois de um mês, Venceslau e um grupo de amigos está assistindo a quinta derrota na sequência do time, sentados numa arquibancada de cimento. Ao levar mais um gol, os poucos torcedores espalhados começam a olhar para Venceslau. O amigo pandeirista ao lado comenta com ele:
- Olha só, Vences. Mais um vexame em campo. Não é só o futebol de vocês que faz falta, é também um lance de baixa auto-estima, baixo astral, sei lá.
Venceslau assente com a cabeça e se mantém quieto.
- Tenho certeza que se tu tivesse em campo, a história seria outra.
O árbitro apita o final do jogo. Os jogadores alaranjados vão saindo do campo, mas um deles para e aponta para outros a localização de Venceslau na arquibancada. Todos se aproximam do alambrado e com os olhares postos nele, começam a chamar em uníssono, batendo palmas:
- Vences! Vences! Vences!
O torcedores engrossam o coro. Venceslau se emociona, se levanta e ergue um dos braços. O coro cessa.
- Tudo bem, pessoal. Eu vou voltar a jogar.
Muitos gritos e palmas.
- Mas vocês terão que se segurar na retranca mais uns jogos, até eu voltar com uma mínima forma física.
Todos concordam. O amigo ao lado propõe:
- Vamos fazer um churras no Fredão para comemorar a tua volta e tu aproveita para comer bem e tomar todas, pois depois disso vai ser treinamento duro e dieta.
Vences assente e agora finalmente, abre um sorriso genuíno.
É madrugada. Em seu quarto, Venceslau se remexe na cama, de um lado para outro, num sono agitado. Até que uma forte luminosidade toma conta do recinto. Venceslau desperta, se ergue, sentando na cama e arregala os olhos, quando a luz diminui revelando um sorridente Venâncio, trajando um uniforme de time completo - camisetas azuis com nuvens brancas, calções brancos, meias brancas e chuteiras em azul claro. Ele está sorrindo e todo o seu corpo está revestido por uma aura fosforescente.
- Oi, parceiro. Não te assusta que sou eu mesmo, o Venâncio. Desculpa a demora é que o Campeonato está pegando fogo.
- Tu foi para o inferno???
- É só uma forma de expressão. O Céu é show de bola!
Continua...
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João Luís Martinez |
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