Naigaron
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Capítulo II - Um plano, um amor, uma esperança
Ela abriu a porta de saída da biblioteca decepcionada por não ter encontrado o que buscava, espiou o corredor para ver se não vinha ninguém, fechou rapidamente a porta e caminhou apressada até a escadaria. Estava atrasada! Desceu às pressas os degraus, com medo que estivessem a procurando por suspeita de nova fuga. Não podia colocar aquela oportunidade fora novamente. Parou no penúltimo andar, para conferir o alinhamento da roupa e dos calçados - estavam inteiros ainda - e continuou descendo distraída com sua pressa até que parou em choque, alguém já a esperava no último andar…
Laura tropeçou no degrau seguinte e quase caiu, se segurando no corrimão. Eduardo quase subiu para segurá-la, mas ela foi rápida em se estabilizar. Seguiu descendo as escadas com mais lentidão, forçando transparecer segurança, mas a verdade é que estava tentando controlar a tremedeira nas pernas e o frio na barriga. O coração batia muito rápido, esqueceu-se de tudo, dos seus objetivos, da fuga, de onde estava, até de si mesma - só sentia seu corpo reagindo ao olhar dele, seu grande amor proibido.
- Esperava por você - disse ele, olhando tão fixamente para ela que parecia queimá-la. Ele a pegou pelo braço, como se ela fosse fugir - Está atrasada…
- Eu dormi… - disse ela, soltando seu braço da mão dele, enquanto olhava para o chão, completamente confusa com o turbilhão de sentimentos daquele momento.
- Então vamos - disse ele, apontando para direção com um movimento de cabeça. Os dois caminharam lado a lado, em silêncio, pelo corredor. Muitas janelas iluminavam o espaço, enquanto podia-se ouvir o som de pessoas ao fundo. O percurso pareceu infinito, por sentir cada instante ao lado “dele”. Olhou algumas vezes para Eduardo, matando a saudade dos seus detalhes, que eram muito únicos para ela.
Quando finalmente chegaram ao salão gigante ele se separou dela, indo em direção oposta Sentiu como se um pedaço do seu coração fosse levado junto, era como um vício. Observou o espaço, enquanto procurava o seu lugar. No salão haviam 19 mesas triangulares, feitas de vidro mesclado entre as cores branco e azul. As mesas estavam dispostas ao redor de uma mesa retangular comprida, onde estavam sentados os Dirigentes e o Conselho Geral. Todas as famílias já ocupavam as 19 mesas. Assim que viram Laura se aproximar da mesa central, todos passaram a acompanhá-los com o olhar. A garota sentiu uma forte energia vinda do Conselheiro das mechas vermelhas, não podia ver seus olhos pois o capuz fazia sombra, mas sabia que ele a olhava com muita intensidade. A garota se sentou ao lado dos Dirigentes e Eduardo sentou logo em seguida, ambos lado a lado, ocupando uma ponta da mesa, enquanto que os Conselheiros ocupavam a outra. A reunião iniciou apresentando os dois filhos da Casa Principal e futuros Dirigentes.
- Saudações, irmãos do Condado das Águas - disse o Dirigente do Condado das Águas, levantando-se da cadeira. Todos ficaram em silêncio no mesmo instante - Há 19 anos, o Condado das Águas estava em guerra com os Nômades das Águas, que ameaçavam adentrar nossas terras, tomar nossos lares e expulsar todos que aqui vivessem. Se isso acontecesse, muitos aqui morreriam. Com receio dessa possibilidade, enviei filho mais velho e sua irmã, que recém havia nascido, para outro planeta, um lugar protegido dos nossos combates, com ajuda do Conselho Geral de Naigaron. Atualmente, com os conflitos entre os povos Nômades e os Condados quase no fim, trouxemos meus filhos de volta para casa, seguros e prontos para fortalecer os laços com o Condado mais próximo de nós, o Condado dos Ventos.
Todos do salão olhavam entre si curiosos com a última afirmação. Roul bebeu um pouco de chá de orvalho para recuperar o fôlego e retornou a falar.
- Hoje anuncio a vocês o casamento de meu filho, Ankit, ou Eduardo, como era chamado em outro planeta, com a filha mais nova do Condado dos Ventos, Lira. - disse, apontando para Eduardo, que levantou-se no mesmo instante e fez um gesto de reverência a decisão de seu pai, sentando-se logo em seguida. Laura o olhou com surpresa, pois ele não demonstrou nenhuma resistência ou surpresa - Também anuncio o casamento da minha filha mais nova, Anabi, ou Laura, como era conhecida antes, com o filho mais velho do Dirigente do Condado dos Ventos, Liuk. - Laura ergueu-se com resistência, cumprimentando seu pai e sentando-se rapidamente, bufando enquanto desviava o rosto para os lados - Ankit será meu sucessor e Anabi será a próxima Dirigente do Condado dos Ventos. Ambos os casamentos trarão mais sucesso e oportunidades de vendas dos nossos produtos, bem como força contra o mal que ainda nos cerca por essas terras.
Todos aplaudiram a fala de Roul, que sentava-se novamente enquanto dava início às oratórias das 19 famílias presentes. Laura sentia seu peito apertado, olhou para Eduardo tentando buscar alguma informação de resistência ou rejeição da parte dele, porém se decepcionou. Ele estava indecifrável, olhava para baixo, completamente quieto e sem nenhum esboço de expressão. A jovem suspirou impaciente. Mas não tinha direito de querer uma atitude diferente de Eduardo. Eles jamais poderiam ficar juntos. Eram irmãos, não eram? Questionou-se por que seu coração continuava teimando em nutrir todo aquele afeto? Olhou para Roul buscando alguma fagulha da semelhança que Hannat falara outro dia. Não encontrou nada. A única pessoa naquela mesa que se parecia com Roul era Eduardo. Ambos tinham a mesma cor de olhos e cabelos. Eram mais fechados em suas opiniões, falar e expressões. O pouco que conversara com Roul foi realmente muito pouco. Então só poderia se parecer com Hannat mesmo… Essa conclusão deixou seu estômago fervendo. Certamente aquela mulher não nascera frívola e superficial, algo a tornara daquele jeito. Imaginou-se igual a mãe em dez anos. Balançou a cabeça, dizendo a si mesma que preferia ser prisioneira na masmorra do Conselho Geral, que se tornar igual a ela.
- Todos estão nos olhando… - disse Eduardo, a despertando de seus pensamentos. Ela voltou-se para ele surpresa e encontrou ele totalmente concentrado nela. Há quanto tempo estava percebendo suas divagações? Infelizmente ela tinha a mania de fazer caras e bocas diante dos seus pensamentos, era uma característica que tinha desde criança. Sua mãe da Terra tentara bloquear essa peculiaridade diversas vezes, mas, como sempre, era uma menina difícil de adestrar.
- Você concorda com tudo isso? - Indagou ela, antes que pudesse pensar. Arrependeu-se logo que se escutou.
- Eu já sabia do casamento e de tudo… - disse ele, virando-se para frente novamente - Aqui não é o momento… - concluiu, antes de fechar-se no seu espaço impenetrável de sempre. Ela queria falar mais alguma coisa, mas a parede invisível era quase palpável. Virou-se para a frente também e tentou bloquear todos os pensamentos que viessem convidá-la a se expressar. Tinha de manter o personagem!
O resto da cerimônia seguiu fluindo. Cada mesa tinha algum relato sobre infortúnios que precisavam ser auxiliados pelos Dirigentes, até que uma das últimas mesas relatou algo que deixou todos do salão visivelmente preocupados. Um grupo de Nômades da Água estava vivendo próximo à entrada dos portões do Condado das Águas, chegara há alguns dias antes da reunião. Não foram hostis em nenhum momento, porém a família que relatara a novidade estava preocupada.
Os três Conselheiros chamaram Roul para conversar um instante na sala reservada dentro do mesmo salão. Permaneceram um tempo dentro do espaço, longe dos olhos e ouvidos de todos. Quando finalmente retornaram para a mesa, o Dirigente e dois dos Conselheiros sentaram. O Conselheiro mais velho disse:
- Caros moradores do Condado das Águas, depois de muito refletir, decidi criar um grupo de negociação pacífica com estes indivíduos nômades. Não devemos ser hostis, pois isso pode dificultar nosso relacionamento antes da junção Condado dos Ventos, que enviará seus dois filhos, dentro de alguns dias, para morar aqui na Casa Principal. Nesse momento, vocês devem se manter calmos, até que o Condado esteja realmente forte. Quem aqui presente se habilita a fazer parte desse pequeno grupo de negociações? - Fez-se um silêncio longo. Ninguém queria se candidatar, todos estavam com medo.
Laura percebeu o medo nos rostos de todos os presentes. Deveria sentir medo também? Porém, logo percebeu que aquela era a sua chance! Como filha dos Dirigentes, poderia agir dentro do Condado. Todos esperavam isso dela. Aquela era a oportunidade perfeita para sair da Casa Principal, chegar o mais longe possível do Condado e encontrar um espaço de fuga. Jamais diriam “não” para ela na frente das famílias ali presentes. As aparências contavam mais que a própria segurança deles mesmos - aprendera isso com Alue.
- Eu me ofereço! - disse Laura, levantando-se da cadeira. Todos se surpreenderam e começaram a comentar a atitude da garota entre si. Alguns a chamavam de corajosa, outros duvidavam do seu discernimento. Porém o medo continuava no ar. Roul olhou para a garota com um olhar mortal. Mas ela manteve-se na sua posição.
- Se queremos que os Nômades das Águas confiem nesse grupo de negociação, a melhor oportunidade é enviar um de nós. Assim eles verão que não temos nenhuma intenção de conflito e confiarão em nós.
- Realmente, a ideia da jovem é muito racional, além de corajosa… - disse a Conselheira - Diga-me, senhorita, conhece o povo que se encontra nas portas desse Condado? Sabe o perigo que está enfrentando? Sabe que ameaçavam matar os filhos de todos os Dirigentes dos Condados e que isso inclui a senhorita?
- Sei. - respondeu com firmeza - E também sei que estão enfraquecidos, que perderam muitas pessoas nessas lutas. Eles não têm força contra nós - improvisou Laura, se valendo das informações que pescou dos livros e das falas. A Conselheira afirmou a fala da jovem com a cabeça e sentou- se novamente, fazendo um gesto com a mão para Roul.
- Irmãos do Condado! - ergueu-se o Dirigente, falando para todos - Está decidido e parabenizo minha filha pelo seu ato de coragem. Ela é a primeira a compor o grupo de negociações. Quem mais se candidata?
Naquele momento, não havia mais desculpas, quem estava com medo, tinha de se oferecer também. Cada mesa teve um candidato, assim, o grupo de negociadores era composto por 20 pessoas do Condado das Águas, que seriam acompanhadas por dois Conselheiros Gerais. Laura tinha certeza absoluta que os dois Conselheiros iriam muito mais por sua causa que pelo problema que assustava o Condado. Seria difícil fugir, mas sabia que essa era a sua chance. A jovem sorriu e olhou para Eduardo, que também a olhava. A expressão dele dizia tudo, ele sabia bem das suas intenções e a incriminava por isso. Se conheciam bem de mais. Ele teria coragem de impedi-la? Era tudo que ela se perguntava naquele momento.
Continua no próximo sábado…
Miriam Coelho |
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