C.F.C. CELESTIAL FUTEBOL CLUBE
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Parte -4
O menino Venceslau correu pela rua de uniforme escolar como se o mundo fosse acabar. Do alto dos seus oito anos de existência, completados naquele dia, ele tinha certeza de que não havia nada mais belo no mundo do que uma bola de futebol oficial. E ele estava prestes a ganhar uma. Não que os seus pais tivessem condições financeiras para isso, mas o tio que era amigo de um funcionário de um grande clube de futebol da cidade, havia explicado a situação e agora levava a bola novinha para o aniversário do sobrinho.
Quando chegou perto de sua casa de madeira modesta, avistou o seu melhor amigo, Venâncio, que já o esperava em frente, afinal era o seu grande parceiro nas peladas, que a partir de agora jamais seriam as mesmas. Quando tio apareceu no início da rua caminhando e carregando aquele grande embrulho redondo, havia uma comitiva formada pelos meninos, o pai e a mãe (irmã do tio) como ele fosse um chefe de estado. Os meninos rasgaram o papel para revelar a bola mais linda do mundo. Eles sentaram no chão e juntos ficaram segurando, girando nas mãos e admirando aquela esfera de couro, repleta de gomos costurados e que tinha um cheiro de bola nova, desconhecido até então. Venâncio até levantou a questão se eles iriam mesmo rolar essa bola naquele naquele campinho cheio de terra, que a qualquer chuvinha virava barro? Várias outra perguntas se sucederam e apenas um consenso havia entre eles, o primeiro chute seria de Venceslau, o sobrinho privilegiado.
Os Vevês cresceram jogando juntos. Sonharam com o profissionalismo e o sucesso, mas os entraves e dissabores da vida, como a obrigação de trabalharem desde a adolescência para ajudarem as famílias, foram minando as esperanças. Mas continuaram jogando em sintonia, defendendo as cores do time da comunidade.
Agora, bem passados dos trinta, Venceslau está sentado em sua cama, olhando para o melhor amigo reluzente e sorridente à sua frente, como se fosse um fantasminha camarada.
- É sério, Vences. Nunca gostei tanto de jogar. Demorou só umas semanas longe da bola até o pessoal da organização me catalogar e encaminhar para o departamento de futebol celestial. Por isso demorei a aparecer. Mas não posso demorar muito. O seguinte, lembra daquela piada?
Vences assente, ainda com os olhos arregalados.
- Pois eu tenho uma noticia boa e uma ruim para ti dar? Qual tu quer primeiro?
Vences, ainda com uma cara de espanto, não responde.
- Pois a boa é essa mesmo. O futebol no Céu é tudo que a gente nem sonhou e um pouco mais. Campeonato organizado, gramados impecáveis (sem grama sintética), arbitragem rigorosa e justa (sem VAR), jogos com estádios sempre cheios, as torcidas aplaudem, cantam e não tem nenhuma briga entre torcedores adversários. Sem falar que o clima é sempre o mesmo. Durante o dia há sol entre nuvens e temperatura amena de ar condicionado. À noite, a iluminação é tão sensacional, que não há uma sombra no chão. Tu só percebe que é noite, se olhar para cima.
Venâncio ri. Venceslau fala baixinho:
- Vai me dizer que a notícia ruim, é que eu estou escalado para o jogo de amanhã?
Venâncio continua sorrindo.
- Que nada, parceiro. Relaxa.
Venâncio emite um suspiro de alívio e sorri.
- Eu vim te visitar porque tu tá escalado para o jogo de hoje.
Venceslau dá um pulo da cama.
- O que é isso, Venan? Que brincadeira sem graça é essa?
Venâncio dá um passo para frente e o seu rosto se transforma, os olhos ficam bem encovados, o nariz desaparece e a boca se rasga mostrando dentes pontiagudos. Uma voz grave e trêmula sentencia:
- Vim te levar para o Além!
Venâncio se assusta dando um pulo. O semblante do amigo volta ao normal e ele ri.
- Calma, Vences. Só estava experimentando um truque que aprendi. Quero fazer algumas aparições para alguns “fiasdaputa”, que me sacanaeram na vida.
Venceslau suspira fundo.
- Mas não é brincadeira, amigo. Eles deixaram eu vir te buscar em homenagem à nossa amizade.
- Mas eu não posso ir, assim sem mais, nem menos. Tu vai me matar? Aliás, agora a pouco quase me matou de susto.
- Como é que tu está te sentindo?
Venceslau pensa um pouco e sorri.
- Tô me sentindo muito bem. Nem parece que me empaturrei e tomei todas na casa do Fredão.
Venâncio sorri, estica um braço e aponta para a cama.
- Dá uma olhadinha.
Venceslau vira e tem um estremecimento ao ver o seu corpo de barriga para cima, inchado, com o rosto escurecido e de olhos abertos.
- Mas eu ... - Nem completa a frase. Tu não tá te sentindo bem?
Vences olha para o seu corpo e até a barriguinha de estimação sumira.
- Tô me sentindo bem como nunca - ele caminha até um guarda-roupa em que há um espelho comprido na porta . Vences se surpreende a se ver trajando o mesmo uniforme do amigo e com a sua aparência melhorada. Ele começa a rir.
- Fica, tranquilo, meu amigo que mesmo assim, tu não vai jogar hoje - comenta Venâncio.
- Como assim? Logo agora que já estava gostando da nova situação.
- É que tu vai ficar no banco de reservas junto comigo.
Vences ri.
- Que saudade que eu estava desse de bom humor, meu amigo.
- É sério, Vences. Ficar no banco nesse caso é uma honra. Nós vamos jogar no Celestial Futebol Clube!
Vence dá de ombros.
- Deixa eu dar a escalação. O goleiro é o Barbosa...
- Aquele do “Maracanaço”???
Venâncio assente e completa:
- Tá pegando tudo!
E agora te prepara: Zé Carlos, que era do São Paulo, na lateral direita. A zaga é Carlos Alberto Torres, o “Capita” e o Bellini, que levantou a taça do Mundial de 58. Depois tem um tal de Nilton Santos na lateral esquerda. O meio de campo tem Heleno de Freitas, Leônidas, o “Diamante Negro” e Pelé, na frente tem Garrincha, Roberto Dinamite e Tesourinha.
- Puta que o pariu!!! Que escalação é essa??? Desse jeito nós nunca vamos sair do banco?!
- Não te preocupa que o técnico é muita gente fina e dá chance para todos.
- É alguém conhecido?
- Eu ainda não conheci. Mas o pessoal chama ele de J.C.. E como dizem que ele não gosta de centroavante “pregado”, as chances vão aparecer.
Venâncio começa a rir.
- Só tu mesmo, Vences. Para me convencer que morrer é bom.
Venceslau sorri e faz um gesto chamando pelo amigo.
- Vamo embora, então?
Venâncio olha para ele, confuso.
- Mas como?
- Dá uma olhada ali
- Vences aponta para onde havia uma parede e agora há um túnel de luz.
- Então esse é o famoso túnel de luz.
- Mais ou menos, vamos lá.
Os amigos caminham lado a lado rumo à luz. Quando chegam bem perto, Venâncio percebe que há uma escadaria ascendente que some na luminosidade. Eles se entreolham e sorriem.
- Ouve só. Eles apuram os ouvidos e começam a ouvir o som de uma multidão de torcedores.
- Então, Venan. Vamos pro Jogo?
Eles colocam os pés no primeiro degrau e os foguetes começam a espocar. Ambos somem na luz, enquanto continuam rumo à um céu azul, com arquibancadas lotadas e um gramado impecável.
F I M. QUER DIZER, UM NOVO COMEÇO
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João Luís Martinez |
1 Comentários
Ótimo texto, mas que gramado é este?
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