O UNIVERSO CONTA

 


A Melodia do tempo

Parte 1 AQUI
Parte 2 AQUI
Parte 3 AQUI
Parte 4 AQUI
Parte 5 AQUI
Parte 6 AQUI
Parte 7 AQUI
Parte 8 AQUI
Parte 9 AQUI

Parte 11

- Final -

Manuela acordou do sonho engasgada, tossindo, como se estivesse estado no fundo do rio com Sophie. Seu rosto estava molhado de lágrimas, percebeu que chorava enquanto dormia. Respirou profundamente, entendendo onde estava, secou as lágrimas no casaco e ergueu-se do chão muito irritada, o ódio percorria por todo o seu corpo.

- Você está bem? - indagou Art, preocupado.

- Estou furiosa! - rosnou - Lembra dos sonhos que te falei uma vez? Eu continuo sonhando com as mesmas pessoas. Sophie, a garota que sempre sonho, quase morreu afogada! E foi tudo por culpa do homem que ela amava e confiava! Que erro que ela cometeu, confiando nele!

- Calma - disse ele, com um gesto de mãos. Seu rosto estava triste, olhando para ela externar a raiva. - Toda história tem mais de um lado.

- Mais de um lado? - repetiu entre os dentes, encarando o homem na árvore - Então me mostra qual é o lado de quem vê a esposa indo para a sentença de  morte por uma mentira inventada por ele mesmo? Qual o lado desse homem que não reagiu diante dessa injustiça, quando poderia ter feito algo?

- Se ele tivesse dito algo, naquele dia… - Art hesitou, respirou fundo e continuou - mais de uma pessoa teria morrido junto com Sophie. O tio dele jamais teria deixado que ela saísse daquela situação viva.

Manuela abriu a boca para rebater, mas parou no mesmo instante em que se deu conta de que ainda não contara os detalhes do sonho. Como ele sabia? Seus olhos encheram-se de lágrimas novamente. Ela olhava para Art emudecida, balançando a cabeça em negação. Antes mesmo de ter coragem de perguntar, ele respondeu.

- Eu sou Miguel - atirou em seco.

- M-mas c-como? - gaguejou ela, ainda balançando a cabeça, enquanto andava para trás. - O-o q-que voc… - iniciou a pergunta, mas a resposta logo veio em sua mente - É-é por isso que está aqui… p-preso…

- Sim, depois que Sophie saiu da água, me encontrou na floresta. Eu estava tocando meu violino em despedida a ela. Eu a amava, mas não podia salvá- la. Meu tio ameaçou matar minha mãe, meus irmãos e o pai dela como cúmplices de bruxaria. Ela tinha poderes desde a infância, mas o pai me contou que ajudava a controlá-la. Quando nos casamos, essa era a minha tarefa. Nunca contei a verdade sobre o meu passado para protegê-la, minha família não aceitava o casamento, tão pouco que eu tivesse abandonado meu futuro como clérigo. Mas não tive tempo de me explicar … - enquanto ele contava, a cena toda vinha na cabeça de Manuela. Sophie o encontrou alguns metros depois do rio. Estava com tanta raiva que o poder que a libertara da morte ainda estava descontrolado. Com essa energia, atingiu o peito de Miguel, dançando-o no chão. Várias pedras caíram do céu para cima dele, o acertando no corpo. No instante em que estava quase chegando a morte, ela mudou de ideia e disse “já que criou raízes no chão e não me salvou do julgamento, terá raízes para sempre aqui!”. Ele se transformou em uma árvore, com feições humanas. Ela o cercou, ainda com muito ódio no olhar “você viverá eternamente com essa culpa!”. - Antes de partir em direção ao povoado para continuar com a vingança, - Art continuou falando - ela me entregou o violino dizendo que eu teria todo o tempo do universo para tocá- lo.

Manuela deixou-se cair no chão, atordoada com a revelação. Art era Miguel. O homem que fizera Sophie sofrer. Compreendia tanto aquela jovem, que a raiva dela também era a sua. Art também mentiu. A única coisa que ainda não entendia era porque sonhara com aquele passado.

- Por que eu sei de tudo isso? Por que eu estive sonhando com vocês nesses dias?

- Por que você é ela… - disse ele, sem expressar nenhum sentimento.

- Você já sabia?

- Sempre soube…

- Como? - gritou ela - Como poderia saber? Por que eu não sabia desde o início? - Enquanto ela gritava, de repente, seu coração começou a pressionar o peito, causando uma dor lancinante. Encolheu-se no chão. Não entendia o que estava acontecendo. Um formigamento em suas pernas começou a percorrer pelo corpo, até alcançar a sua boca. Ela olhou para o homem na árvore, que não pareceu expressar nenhuma surpresa ou preocupação. Agora ele estava indecifrável, enquanto ela suplicava por ajuda em seu olhar.

- Há muitas vidas que temos sempre o mesmo reencontro. Só você pode me encontrar nesse mesmo portal, a floresta onde estamos só existe nessa dimensão. Eu nunca morro, mas você sempre renasce em outro corpo, em outro país, com outro nome, e retorna a me conhecer novamente. É sempre da mesma forma, você descobre a verdade e volta a me odiar. A maldição nunca terá fim, estou conformado com seu eterno desprezo - os olhos dele finalmente expressaram algo, a velha e profunda tristeza do primeiro encontro - Todas as vezes em que você descobre a verdade, você morre do mesmo jeito, me odiando. Sinto que nunca terá fim. É um martírio, pois ainda a amo e, pior do que estar preso aqui, é vê-la morrer todas essas vezes, essa é a minha maior maldição…

A voz de Art ia ficando cada vez mais longe, distante, enquanto ela ia perdendo os sentidos e entrando num sono profundo. Aquele era o mesmo fim. “Nos vemos na próxima vida…” pensou, enquanto sentia a escuridão cobrir toda sua visão, pensamentos e sentimentos. Uma última lágrima escorreu. Acima de tudo, também o amava.

Ela acordou em sua cama e no mesmo quarto de sempre. Levantou ainda tonta e confusa. Não estava morta? Como veio parar ali?

- Finalmente você acordou… - disse sua mãe, sentada na cadeira em frente a sua escrivaninha.

- Como eu vim parar aqui? - perguntou, olhando ao redor. A porta e as janelas estavam abertas pela primeira vez em muito tempo. Testou movimentar seu corpo, para ver se não a prenderam de outra forma. Estava livre de amarras.

- Nós a encontramos na floresta, tínhamos certeza de que estava morta,  porém, quando chegamos, vimos que ainda estava respirando. Trouxemos para o seu quarto.

- Vão me manter presa novamente?

- Não. Você pode sair… - disse ela, suspirando - admitimos que não temos como controlá-la. E agora, sabemos que você encontrou o homem na árvore e já sabe de toda a verdade. A única coisa que ainda não entendemos é como sobreviveu.

- Vocês o conhecem? Podem vê-lo? Mas como? Ele me disse que apenas eu posso encontrá-lo.

A garota olhou para a mãe com os olhos abertos de espanto. A mulher levantou da cadeira e caminhou até a jovem. Sentou na cama, ao lado dela, segurou as suas mãos e começou a contar.

- Não sabemos muito sobre a história de vocês, tudo que sabemos é que você nasceu de pais desconhecidos. Alguém a abandonou no meio da mata quando ainda tinha poucos meses de vida e você foi transportada para para o homem na árvore. Como ele não podia cuidá-la, logo você morreria e o destino não se cumpriria, uma fenda se abriu nas dimensões e ele veio parar nessa floresta. Encontramos vocês no dia seguinte, enquanto fazíamos uma trilha até a cachoeira da cidade. No início, não acreditamos no que víamos, uma árvore com feições humanas e que falava? Porém aceitamos ficar com você. Ele nos contou um pouco da história e pediu para que evitemos que a a magia despertasse novamente em você, pois poderia perder o controle. Ficamos com medo, mas como você era um bebê tão pequeno, lindo e indefeso, aceitamos a tarefa, protegendo você e as pessoas do que poderia acontecer, até que o reencontro de vocês.

- Então… por isso que me prenderam todos esses anos?

- Sim… Quando descobri suas fugas, não sabia que vocês já tinham se reencontrado… se eu soubesse…

- Por isso eu nunca me senti parte dessa família, sempre fui tão diferente…

- Sim. No fundo, você pressentia que não nasceu de nós. Mas a amamos mesmo assim. Estamos felizes que não morreu. Pensávamos que nosso tempo juntos seria curto, por isso não quisemos nos apegar tanto a você. Tínhamos apenas a tarefa de cuidá-la.

A garota levantou os pés e os colocou no chão sem dizer mais nada, calçou seus sapatos enquanto a mãe a olhava com tristeza e dúvida. Ela perguntou para onde a garota iria. Respondeu que voltaria para sua verdadeira casa. Entrou na floresta e caminhou por um tempo até finalmente reencontrar Art, que ficou surpreso por vê-la ainda viva.

- Miguel, eu estou viva - disse, colocando-se em frente ao homem na árvore.

- Eu sinto muito por tudo que nos aconteceu. - disse ele, entre lágrimas.

- Eu também! - bradou ela, com muita emoção, o abraçando.

Os dois permaneceram naquela posição, enquanto - aos poucos - viravam poeira na eternidade. Quando tudo acabou, ainda podia-se ouvir um som muito baixo de um antigo violino tocando uma melodia de amor, uma melodia que se eternizou no tempo e partiu com o vento.




Miriam Coelho


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
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